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Gabrielle Defrenne, uma das mães da Europa

Gabrielle Defrenne, uma das mães da Europa

Artigo de opinião de Sofia Colares Alves, chefe da Representação da Comissão Europeia em Portugal

É curioso como a memória é curta e facilmente nos esquecemos do princípio das coisas. Por vezes, quando falamos de igualdade de género e da luta pelos direitos das mulheres na União Europeia, passando pela sua progressiva afirmação no Direito Europeu, esquecemo-nos como tudo começou. Normalmente, as estórias têm no centro do seu enredo uma ou outra pessoa especial. Esta estória não é exceção: também ela começou graças a uma mulher muito determinada. Gostaria, pois, de recordar aqui Gabrielle Defrenne, que mudou para sempre o destino das mulheres na União Europeia.

Gabrielle Defrenne foi assistente de bordo na Sabena Airlines, uma companhia aérea nacional belga. O contrato de trabalho obrigava-a a reformar-se aos 40 anos, ao contrário dos seus colegas homens, que podiam reformar-se mais tarde. Sem outra alternativa, foi forçada a sair da empresa em 1968. Gabrielle, sentindo-se discriminada, não ficou indiferente.

Assim, interpôs uma ação no Tribunal do Trabalho de Bruxelas, com base no artigo 119.º do então Tratado da Comunidade Económica Europeia, que proibia a discriminação entre trabalhadores com base no género. A ação pedia três indemnizações: uma por receber menos que os seus colegas homens, apesar de desempenhar as mesmas tarefas; outra, porque a remuneração que recebeu pela cessação de funções era também mais baixa, apesar de ter a mesma idade e os mesmos anos de serviço na empresa que os seus colegas homens; e ainda uma compensação pela pensão que recebia, que também era inferior devido ao facto de ser mulher.

O Tribunal negou-lhe a ação por considerar que esta não tinha fundamento. Inconformada com a situação, Gabrielle Defrenne apelou mais duas vezes, obtendo o mesmo resultado. Mas um dos Tribunais submeteu uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) e, apenas graças à interpretação deste último, foram concedidos 12 mil francos belgas a Gabrielle. Estes correspondiam apenas ao primeiro pedido, pois a não-discriminação em matéria salarial era o único aspeto regulado pelos Tratados. Tendo em conta o contexto em que aconteceu, este acórdão representou um avanço significativo na aplicação do princípio da igualdade salarial que, nos anos 70, na então Comunidade Económica Europeia, já era um princípio norteador do Direito.

Não satisfeita com este desfecho, Gabrielle recorreu mais duas vezes. Visionária, defendia que a igualdade de tratamento entre trabalhadores homens e mulheres ia para além da questão de salário igual para trabalho igual. Assim estabelecer um limite de idade para a cessação de funções às mulheres mas não aos homens era uma prática discriminatória e, por se refletir na recompensa recebida, proibida pelo Tratado.

Inquirido novamente, o TJCE considerou que o artigo 119.º era uma regra especial e que não podia ser aplicado a outras circunstâncias. Apesar de a não-discriminação entre homens e mulheres ser um dos direitos protegidos pela lei comunitária, a Comunidade só tinha competência para garantir a igualdade entre homens e mulheres em termos de remuneração. Desta forma, e apesar de ser reconhecido que a discriminação de género não deve existir, Gabrielle não conseguiu levar a sua avante.

Ainda que não tenha ganho o processo em tribunal, Gabrielle Defrenne abriu um precedente com a sua ação. Fez a Comunidade Europeia perceber que, mesmo existindo igualdade salarial, outras formas de discriminação persistiam. Ainda havia muito trabalho pela frente. No final da década de 70, como resultado deste caso, é publicada uma diretiva (79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978) que obriga os Estados-Membros a aplicar o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social.

Desde então, a União Europeia levou a cabo várias ações para eliminar as desigualdades de género e promover a igualdade. Alguns exemplos são as medidas relativas à licença parental (Diretiva 2010/18/UE) ou à igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego e na atividade profissional (Diretiva 2006/54/CE).

Pela sua persistência e dedicação a uma causa que diz respeito a todas as mulheres europeias, quero, a título pessoal, agradecer a Gabrielle. Pela causa nobre que defendeu e pelo legado que deixou a todas as mulheres, nomeadamente as europeias: Bem haja, Gabrielle Defrenne!