A vida em suspenso e uma nova condição humana
Artigo de opinião de José Maria Magalhães, vereador do Pelouro de Animação e Turismo. Município de Vila Real
Num momento em que a humanidade, não toda infelizmente, detinha a melhor perspetiva do mundo até hoje alcançada, eis que surge um acontecimento absolutamente inesperado que atinge o ser humano na sua plenitude, ameaçando, à partida, todos, alheio aos múltiplos factores de diferenciação que atravessam as sociedades e os países, colocando as suas vidas em suspenso e fazendo imperar uma nova condição humana. Por ser amplamente desconhecida e portanto muito temida, a covid 19 virou em poucos dias do avesso a vida em todo o mundo, numa escala e com uma velocidade sem quaisquer precedente histórico. Daí que praticamente todas as atividades dominadas pela natureza humana estejam já a sofrer o inevitável peso do revés, exibindo perdas e recuos cuja recuperação vai levar tempo e muitos esforços.
A covid-19 ficará para a história da humanidade como a ocorrência de maior impacto nas mais diversas esferas da vida dos quase 8 bilhões de pessoas que habitam a terra em 2020.
Quando tornado público pelas autoridades chinesas em 31 de dezembro de 2019, os governantes e mais em particular as instituições de saúde pública dos países mais desenvolvidos, dado ser a eles que caberia um maior grau de responsabilidade, devido à posse de meios científicos, financeiros, organizacionais e outros, não terão visualizado a real dimensão do que estaria prestes a propagar-se a uma escala planetária. Tudo isto, muito provavelmente, por sujeição a uma espécie de efeito anestésico, uma certa displicência, num mundo que parecia não poder sofrer qualquer contratempo em prol da concretização dos múltiplos e inadiáveis compromissos.
Todavia e após vários meses de pandemia, a grande certeza em torno dela são, como já dito, a extensão e a profundidade dos efeitos que no imediato, no médio e no longo prazo que dela decorrerão em termos da reconfiguração dos modos e das condições de vida, o que vem sendo expresso na convicção generalizada de que nada voltará a ficar como dantes.
As sequelas do confinamento produzirá efeitos díspares. Em cada um de nós, na perceção que temos do mundo, na forma como passaremos a interagir socialmente e, mais além, nos mais diversos sectores, os quais terão de se reinventar e revestir de investimentos incalculáveis, sendo que, nestes processos que o devir vai registar, serão decisivos, há que o sublinhar, o papel e a ação das classes governantes, por forma a não se perder de vista os imprescindíveis objetivos ao serviço de toda a população.
Um dos sectores mais afetados pela erupção e alastramento da covid19 está a ser o do turismo. Esta atividade que já era o principal motor económico em muitos países e prometia ajudar tantos outros, vê-se, por força dos desenvolvimentos sanitários da pandemia e consequentes restrições à mobilidade e à interação social, confrontado com a necessidade extrema de se reajustar, redescobrir e apurar o que já tem para sobreviver à colisão com o asteroide económico da Covid-19. Porém, o tempo de hoje é em tudo mais subversivo e volátil do que qualquer outro tempo, a procura de destinos e produtos turísticos registará, inevitavelmente, alterações do paradigma dominante até ao início desta década. Os territórios situados mais para o interior, economicamente débeis e demograficamente rarefeitos, mas com recursos convidativos, associados a uma hotelaria e demais restauração capazes, poderão encontrar-se numa posição privilegiadíssima para fortalecer a sua procura, nomeadamente a procura interna e a de alguma proximidade, logrando assim atingir objectivos mais consistentes de desenvolvimento socioeconómico.
Será certamente este o caso de Vila Real, a minha cidade e o meu concelho, localizada no norte interior do país, a par de muitas outras do Eixo Atlântico. Vasta e rica em diversos roteiros de património cultural e religioso, afamados vinhos, reconhecidas maravilhas gastronómicas e muita, muita natureza com percursos de água clara, extenso verde, extensas serras e uma biodiversidade ímpar. Possui ingredientes em tudo promissores na conquista de um público turístico que se acredita chegar em números crescentes, muito por força da busca de espaços de baixo risco sanitário e de elevada qualidade ambiental. Afirma-se ser um autêntico parque desportivo ao ar livre, as pessoas podem usufruir do meio, descontraidamente, sem preocupações, quer em ambiente citadino pelas áreas do parque corgo e centro da cidade ou em meios mais rurais através da ecopista do corgo e por entre os numerosos percursos que atravessam as aldeias carismáticas até chegar a um lugar, mundialmente reconhecido, o Alto Douro Vinhateiro - Património da Humanidade. Podendo ir mais além ou mais acima, palmilhar as zonas de maior altitude, seja o "Parque Natural do Alvão", a Serra do Marão e o Vale Encantado da Campeã. Por tudo isto, é expectável que as sequelas da covid 19 criem finalmente a grande oportunidade de converter em pleno a região a que um dos seus mais diletos filhos, Miguel Torga, chamou de Reino Maravilhoso, em destino turístico de eleição.
A colisão com o asteroide económico da Covid-19 faz crer que uma percentagem muito expressiva da população deixará de procurar os grandes aglomerados de pessoas. Em alternativa, de certo procurarão outros formatos de destino, as pessoas terão sempre as suas necessidades de ir a algum lado, de se sentirem livres e vivas, de explorarem, de realizar os seus desejos, de satisfazer a curiosidade natural, de mostrar e recomendar aos que mais gostam e demais conhecidos o que já tiveram oportunidade de ver e, aquilo que têm em mente conhecer.
É indubitável sentir, a cada dia que passa, uma nova condição, a qual se prevê ter de agir de modo mais seguro e prudente mas, ao mesmo tempo, confiantes e com o alento de que podemos fazer algo de novo. Confiantes de fazer aquilo que há a fazer para garantir o bem-estar de todos.
A covid-19, embora dramática poderá servir para trazer à tona um ser que escute melhor, um ser que possa lembrar-se mais do todo e menos da parte, que possa refletir e agir mais conscientemente, que esteja recetivo à alegria que as coisas mais simples da vida possam proporcionar-lhe em cada momento, em cada lugar! Cada experiência vivida é uma aprendizagem que não pode ser desperdiçada.
Quando forçado a viver um novo tempo o ser deve adaptar-se e reaprender, deve revelar conhecimento adquirido, ganhar uma nova consciência da sua fraqueza humana ao mesmo tempo que deve revigorar-se para prosseguir a sua caminhada.