
Artigo de opinião de Paulo Ramalho, vereador da Competitividade Económica, das Relações Internacionais e do Turismo da Maia
1-As eleições legislativas do passado 10 de março, trouxeram grandes mudanças na atual realidade política portuguesa. Mas também, mensagens muito claras, que não devem ser ignoradas.
Desde logo, provocaram uma mudança de Governo, ao atribuir a vitória, ainda que de forma tangencial, à Aliança Democrática, coligação entre o PSD, CDS/PP e PPM, liderada por Luís Montenegro, que conquistou 29,5% dos votos, contra 28,7% dos alcançados pelo Partido Socialista, de Pedro Nuno Santos.
Recorde-se que o PS, sob a liderança de António Costa, governava o país desde 2015, tendo visto renovada a sua confiança em 2022, com 41,3% dos votos.
Na Assembleia da República, então dominada pela larga maioria socialista e os seus 120 deputados, o equilíbrio de forças é hoje completamente distinto.
Estando ainda por contabilizar os votos do círculo da emigração, e assim por atribuir 4 mandatos, o PS perde, nesta altura, 43 deputados, tendo conseguido eleger até ao momento, apenas 77. A AD, por sua vez, já contabiliza 79 deputados, sendo 77 para o PSD, o mesmo número que havia conseguido em 2022, sob a liderança de Rui Rio, e 2 para o CDS/PP, agora de Nuno Melo, que volta novamente ao Parlamento, de onde tinha sido arredado nas últimas legislativas, com Francisco Rodrigues dos Santos. O Partido Comunista, agora liderado por Paulo Raimundo, continua a sua trajetória descendente e perde mais 2 deputados, não conseguindo sequer segurar os 6 que Jerónimo Sousa havia conquistado no último ato eleitoral, passando a dispor de um grupo parlamentar de apenas 4 deputados. A Iniciativa Liberal, de Rui Rocha, mantém os mesmos 8 deputados que havia conquistado em 2022, então com Cotrim de Figueiredo. O mesmo se passa com o Bloco de Esquerda, agora sob a liderança de Mariana Mortágua, que mantém exatamente os mesmos 5 deputados que já tinha no tempo de Catarina Martins. O PAN- Pessoas Animais e Natureza elegeu novamente um único deputado, a sua líder, Inês Sousa Real, não conseguindo, mais uma vez, formar um grupo parlamentar. Em contrapartida, e objetivamente grandes vencedores da noite eleitoral, o CHEGA, de André Ventura, e o LIVRE, de Rui Tavares, conseguiram quadruplicar o número de deputados que haviam conquistado em 2022. O primeiro, que tinha um grupo parlamentar de 12 deputados, passa a contar na próxima legislatura com um grupo de 48 e o segundo, que tinha apenas 1 deputado, passa agora também a dispor de um grupo parlamentar, constituído por 4 deputados.
Recorrendo à clássica divisão entre “esquerda” e “direita”, que hoje não tem claramente o significado de outros tempos, e designadamente entre os eleitores mais jovens, é indiscutível que o Parlamento português virou de forma muito acentuada à “direita”.
Sendo que esta mudança, ou alteração na “geopolítica nacional”, não aconteceu dentro do “quadro habitual” de participação dos eleitores portugueses, que nos indiciava o histórico dos últimos 25 anos. Mas no âmbito de uma participação ativa, e diria mesmo “massiva” dos nossos eleitores. Desta vez, votaram mais 740 mil eleitores do que nas eleições legislativas de 2022. A taxa de abstenção fixou-se nos 33,8%, a mais baixa desde as eleições legislativas de 1995. Os portugueses quiserem mesmo, e utilizaram a arma mais poderosa que possuem em democracia: o Voto.
2- Não podemos esquecer que estas eleições ocorreram na sequência da demissão do Primeiro-ministro António Costa, que face a questões relacionadas com processos judicias, em que o seu nome, “supostamente” estaria envolvido, entendeu não reunir condições políticas para prosseguir. O que levou o Presidente da República a optar por interromper um mandato, que nem a meio tinha chegado, e a dissolver a Assembleia da República, devolvendo assim a palavra aos portugueses.
Pode-se discutir se o Primeiro-ministro António Costa se precipitou ou se o Presidente da República poderia ou deveria ter convidado o Partido Socialista a formar novo Governo, mas a verdade é que os mesmos portugueses, que dois anos antes haviam oferecido uma maioria absoluta clara aos socialistas, desta vez nem 29% dos votos lhe entregaram.
O que em rigor, bem se compreende.
Desde logo, porque o novo líder do PS, Pedro Nuno Santos, é o rosto de um Governo que falhou em quase tudo, que não conseguiu afirmar um caminho de progresso para o nosso país, que apesar de estar suportado numa maioria parlamentar de 120 deputados, não foi capaz de promover as reformas que Portugal tanto necessita. Governo que é o único responsável por estarmos sujeitos à maior carga fiscal de sempre, mas também o maior responsável pela degradação dos serviços públicos que hoje todos sentimos. Não é por acaso que todos os dias assistimos a greves e manifestações na saúde, na educação, nas forças de segurança, na justiça e na agricultura. Por outro lado, os portugueses tomaram em devida nota os frequentes “casos e casinhos” em que este Governo socialista andou “enredado” durante os últimos dois anos, que provocaram inclusive um número anormal de substituições dentro do próprio elenco governativo, o que tudo contribuiu para adensar o sentimento de crise de credibilidade das instituições que vimos assistindo. Este Governo não soube sequer aproveitar os fundos do PRR para modernizar o país, promover a coesão territorial e tornar a nossa economia mais robusta e resiliente. Os portugueses não têm dúvidas de que continuam a perder poder de compra e que Portugal continua a ser ultrapassado, designadamente em termos de PIB per capita, por países que há meia dúzia de anos estavam bem atrás. O empobrecimento e o crescimento das assimetrias sociais e territoriais eram e são realidades sentidas por todos, e em particular pelos mais jovens, que os socialistas foram ignorando.
3-Era claro que este Governo socialista já tinha perdido uma boa parte do seu apoio popular e que a vontade de mudança era um processo em curso. E que Pedro Nuno Santos estava longe de ser António Costa. Pelo que, pela “lei da lógica do bipartidarismo português”, associada à ideia do “arco da governação”, Luís Montenegro e o PSD teriam aqui a sua oportunidade para regressar à governação do país. O que acabou por acontecer e com mérito, pois recorrendo a uma fórmula similar à da AD de 1980, Luís Montenegro, com um discurso moderado, claro no Não ao Chega e assente em palavras-chave como “mudança”, “esperança” e “crescimento”, muito voltado para a resolução dos problemas reais do país, conseguiu mobilizar grande parte do eleitorado do centro e do centro-direita português. Foi uma vitória curta, é certo, mas foi mais ou menos assim que em 1985 Aníbal Cavaco Silva iniciou o seu caminho…
4-Uma última palavra acerca do Partido Chega, que conquistou 18,1% dos votos e elegeu 48 deputados, consolidando a sua posição de terceira maior força política do país. Estamos a falar de um partido que nas legislativas de 2022 conquistou cerca de 400 mil votos e que no passado dia 10 mereceu a confiança de 1,1 milhão de portugueses. De um partido que é tradicionalmente considerado populista, nacionalista e conservador, e que se insere na família europeia da extrema-direita, onde se inserem partidos como o VOX de Espanha, a Frente Nacional de França, a Liga do Norte de Itália, o Partido para a Liberdade dos Países Baixos e a Alternativa para a Alemanha. É certo que os movimentos de extrema-direita estão a crescer um pouco por toda a Europa, mas não acredito que em Portugal existam cerca de 1 milhão de cidadãos que se identifiquem com ideologias ligadas à extrema-direita. O Chega, muito personalizado na figura carismática do seu líder André Ventura, é hoje um partido, acima de tudo, muito associado ao protesto e ao descontentamento, olhado como de “anti-sistema”, que capta votos da esquerda à direita, que representa cidadãos que deixaram de acreditar nos partidos tradicionais ou que não encontram nestes, respostas para os seus problemas e ambições, ou pura e simplesmente se sentem ignorados pelos mesmos, mas que também, ao mesmo tempo, desejam e anseiam por mudanças. Daí que se compreendam as linhas vermelhas que os partidos tradicionais estabeleceram com o Partido Chega, mas já não me pareça boa estratégia ignorar os portugueses (mais de 1 milhão…) que no passado dia 10 votaram nesse partido, e muito menos, as razões que os mobilizaram para tal…
É preciso que não esqueçamos que a democracia, para além de exigente, é um processo permanentemente em construção.