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A tragédia no Mediterrâneo: inaceitável indiferença

A tragédia no Mediterrâneo: inaceitável indiferença

Artigo de Opinião de José Manuel Fernandes, Deputado ao Parlamento Europeu

Em cada pessoa vejo alguém igual a mim. Defendo os direitos humanos, a vida e a dignidade humana. Se calhar, o facto de ser católico, reforça estes valores e leva-me a saber que há uma alma em cada vida humana e que devo amar o outro como a mim mesmo. Sou contra a pena de morte, os descuidos e a negligência que ceifam vidas.

As mortes no Mediterrâneo, a indiferença que elas -agora- geram são um sinal da nossa decadência. Há uma banalização e aceitação dessas mortes. Este mês, no dia 14 de junho, perto da costa grega morreram cerca de 700 pessoas, entre as quais 100 crianças, a maioria do Paquistão, Síria e Egito. A comunicação social, a generalidade das pessoas, passam a aceitar estas mortes de forma resignada, como se tal fosse normal. Porque é que se tornou normal e poucos querem saber das mortes que aquelas águas acolhem?

 Desde 2014, a ONU registou mais de 20 mil mortes e desaparecimentos no Mediterrâneo central, tornando-o o ponto de passagem de migrantes e refugiados mais perigoso do mundo. Nos últimos 30 anos, morreram mais de 50 mil pessoas a tentar chegar à União Europeia ou a campos de refugiados.  Há refugiados que fogem da perseguição e da morte e migrantes económicos que fogem da miséria. Entretanto, os traficantes de seres humanos lucram com as tragédias.

Na UE, um dos Governos mais duros e com atitudes indignas para com os migrantes e refugiados é o Governo socialista da Dinamarca. É inacreditável, mas a extrema direita francesa quer inspirar-se no modelo socialista dinamarquês. A falta de solidariedade, a indiferença, acontecem à esquerda e à direita, embora as atitudes mais radicais, racistas e xenófobas estejam na extrema direita. No entanto, infelizmente, a extrema esquerda e a extrema direita autoalimentam-se. A extrema esquerda defende a possibilidade de se colocarem barcos e aviões para todos os que quisessem entrar na UE, independentemente da nossa capacidade para receber bem, condignamente, os migrantes. A extrema direita, e infelizmente alguma direita, defende a construção de muros e barreiras nas fronteiras externas da UE, através de financiamento do orçamento europeu.  Os portugueses sabem o que foi ir “a salto”, nomeadamente para França, e atravessar rios e montanhas. Não é com muros que resolvemos as questões das migrações. A esquerda procura passar uma falsa e pretensiosa ideia de superioridade moral. Em Portugal, há demasiados casos de tratamentos desumanos a migrantes económicos, que são explorados e vivem em condições deploráveis sem que ninguém assuma a responsabilidade política destas situações verdadeiramente inaceitáveis.

Como resposta a este flagelo que assola a União, a Comissão Europeia, em 2020, propôs o “Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo”, com vista a introduzir segurança e condições dignas aos migrantes que chegam à UE, mas também para reforçar a confiança dos europeus de que a migração é gerida eficazmente e num equilíbrio entre solidariedade e responsabilidade. Acontece que, decorridos mais de dois anos, continuamos num impasse pela constante dificuldade de chegar a acordo com o Conselho.

Este novo quadro define a forma como a UE e os seus Estados-Membros vão atuar em conjunto para gerir o asilo e a migração e estabelece critérios melhorados para determinar a responsabilidade dos países da UE no tratamento de um pedido de asilo e a partilha equitativa de responsabilidades. Inclui, ainda, um mecanismo de solidariedade vinculativo para ajudar os países sujeitos a pressões migratórias, nomeadamente na sequência de operações de busca e salvamento no mar.

Um outro instrumento que se encontra em negociações é a proposta de regulamento do Parlamento e do Conselho relativo à resposta a situações de crise no domínio da migração e do asilo. O texto centra-se nas chegadas súbitas em massa de nacionais de países terceiros que conduzam a uma situação de crise num determinado país da UE. Com base numa avaliação da Comissão, esta situação incluiria recolocações obrigatórias e derrogações aos procedimentos de rastreio e asilo.

O Parlamento Europeu aprovou também um mandato de negociação para as alterações à atual diretiva relativa aos residentes de longa duração. Estas incluem a aceleração da concessão de autorizações de longa duração após três anos de residência legal e a possibilidade de integrar aqueles que beneficiam do estatuto de proteção temporária.

Não podemos esperar mais.  Urge, uma resposta transversal aos desafios que as migrações e os refugiados nos colocam. A legislação que está por decidir não é suficiente. Desde logo, há que atuar na raiz do problema. Há que dar estabilidade aos territórios de origem, segurança, emprego digno e esperança para aqueles que tentam fugir dos seus países de origem. É necessário combater as máfias que traficam, matam, torturam e sugam as pessoas que procuram paz ou um “El Dorado” na UE. Há que reforçar as patrulhas e o policiamento no mar para salvar as vidas humanas. Exige-se uma ação comum, coordenada, que tem de ser concertada ao nível da UE e implicar uma solidariedade de facto.

Autor: José Manuel Fernandes, Deputado ao Parlamento Europeu